Bolsonaro transferiu dinheiro para os EUA enquanto aguardava desfecho do golpe
Conforme a investigação da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe no fim de 2022 avança, fica cada vez mais nítido que a coisa é feia. A PF vem se debruçando sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro e elementos do seu círculo mais próximo. Quase duas semanas após a operação que, dentre outras coisas, apreendeu o passaporte do inelegível, mais informações sobre a tentativa frustrada de golpe vieram à tona.
Além da divulgação do vídeo da reunião ministerial em que Bolsonaro e seus asseclas discutem abertamente a intenção de não aceitar e, em caso de derrota, reverter o resultado da eleição presidencial, a Polícia Federal também descobriu que o ex-presidente fez uma transferência de R$ 800 mil para contas nos Estados Unidos. Ao que tudo indica, o plano foi descoberto: Bolsonaro teria uma bela vida na terra do Tio Sam enquanto aguardava o golpe ser executado. Caso desse certo, retornaria ao país como herói. (Olha só do que nos livramos).
Lembra quem no ano passado eu adiantei essa história? Publiquei aqui em agosto, em parceria com os camaradas do site O Cafezinho. Tinha documento e tudo – uma solicitação de câmbio do Jair para enviar grana aos EUA via Banco do Brasil. Dá uma olhada.
Toc toc na madeira
Com a típica cara de pau que lhe é peculiar, Bolsonaro minimizou o episódio. Em entrevista à CNN Brasil (perceberam que é só lá que ele dá entrevista?), ele ironizou a ligação entre o envio do dinheiro e a tentativa de golpe: “Dizer à nossa querida Polícia Federal que o último país do mundo onde um golpista, ditador, enviaria recurso, seria os Estados Unidos, porque é um país democrata, que respeita tratados. E esses recursos seriam imediatamente bloqueados”, disse. (tem cara de dica: não adianta procurar nos EUA).
Bolsonaro também disse que transferiu os valores no dia 27 de dezembro de 2022 por temer a situação econômica do Brasil com o novo governo Lula: “Tínhamos dúvidas sobre a política e economia do atual mandatário de esquerda. Um abraço a todos”.
Segundo a PF, existe também a possibilidade de esse dinheiro ser oriundo da venda de parte das joias que o ex-presidente havia recebido de presente em visita ao Oriente Médio: “Evidencia-se que o então presidente Jair Bolsonaro, ao final do mandato, transferiu para os Estados Unidos todos os seus bens e recursos financeiros, ilícitos e lícitos, com a finalidade de assegurar sua permanência do exterior, possivelmente, aguardando o desfecho da tentativa de Golpe de Estado que estava em andamento”, afirma a PF. Notaram o “lícitos e ilícitos”?
Golpistas militares estão caindo
E não é apenas no entorno de Bolsonaro que o bicho tá pegando. A casa também está caindo para os inúmeros militares acusados de fazer parte da intentona golpista. Os milicos envolvidos no episódio que até agora vinham ocupando cargos de comando dentro do Exército foram exonerados destas funções. O tenente coronel Guilherme Marques de Almeida (aquele que desmaiou ao perceber que era alvo da operação) foi desligado do comando do 1º Batalhão de Operações Psicológicas (não ria, é sério) em Goiânia. O tenente coronel Hélio Ferreira Lima não é mais o comandante do da 3º Companhia de Forças Especiais, sediada em Manaus.
Celular de Mauro Cid é uma bomba para os bolsonaristas
Enrolado até o último fio de cabelo, o tenente coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, firmou um acordo de delação premiada sob chancela do Supremo Tribunal Federal (STF). O celular de Cid é uma fonte inesgotável de provas para a investigação, corroborando as informações prestadas por ele à Polícia Federal. Para a PF, as informações obtidas a partir do celular do ex-ajudante de ordens confirmam que Bolsonaro estava devidamente ciente da minuta golpista, por exemplo
Em áudio enviado ao então comandante do Exército, general Gomes Freire, ele afirma que o ex-presidente havia feito mudanças no documento: "É hoje o que ele fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto, né? Aqueles considerando o que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais, é... resumido, né?", diz a mensagem do dia 9 de dezembro, poucos dias antes de Bolsonaro fugir para os Estados Unidos. Nessa mexida, Bolsonaro teria tirado os nomes de Gilmar Mendes e Rodrigo Pacheco de uma ordem de prisão, mantendo apenas o de Alexandre de Moraes.
Ainda chama a atenção o fato de essa turma de ineptos ter conseguido articular uma rede golpista tão grande
Em conversa em áudio com um oficial lotado no Rio Grande do Sul, o tenente coronel Alex de Araújo Rodrigues, Cid afirmou que não havia nada que pudesse ser feito por outras instituições para, por exemplo, coibir a aglomeração de golpistas em frente aos quarteis, especialmente o Ministério Público Federal: "Cara, vou ser bem sincero contigo. Tá recomendado... manda se foder! Recomenda... está recomendado. Obrigado pela recomendação (...) Eles [o MPF] não podem multar. Eles não podem prender. Eles não podem fazer porra nenhuma. Só vão encher o saco. Mas não vão fazer nada, não", afirmou na ocasião.
Cid se referia a uma recomendação dos procuradores do MPF de Caxias do Sul que afirmavam que a aglomeração em frente aos quarteis deveriam ser suprimidas já que eles se reuniam "de forma permanente e indevida, por manifestantes que incitam animosidade das Forças Armadas contra os poderes constituídos". Esta é mais uma prova de que militares contribuíram para a mobilização golpista. E, ao que tudo indica, tem mais coisa vindo aí.
Bolsonaro tá beiçudo porque não pode falar com Valdemar
O ministro Alexandre de Moraes fez a boa ação do ano e permitiu a soltura de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, no último dia 10, acusado de posse ilegal de arma e de uma pepita de ouro oriunda de garimpo ilegal. Valdemar foi preso no último dia 8 na operação que também teve Bolsonaro como alvo. Na ocasião, uma das medidas cautelares de Moraes era a de que os investigados não poderiam manter contato entre si. E isso deixou o inelegível chateado.
A defesa de Bolsonaro apresentou ao ministro um pedido para que a medida seja revogada e os dois amiguinhos possam voltar a estabelecer comunicação entre eles. “A decisão, ao não apontar para elementos concretos que justifiquem a imposição da proibição, deixa margem para interpretações amplas que podem afetar indevidamente o exercício democrático no seio do partido”, diz o pedido. Vejamos. Um é acusado de armar um golpe de Estado, o outro é o presidente do partido do golpista. 🤔
Já que, até o momento, Moraes não revogou as medidas cautelares, caso haja alguma evidência de que ambos tenham se comunicado, Valdemar pode ser reconduzido à cadeia, de onde, convenhamos, não deveria ter saído. Fosse um cidadão comum seguiria lá, bem sabemos.
E, como o golpe tá na praça e cai quem quer, a defesa do coronel Marcelo Câmara, preso na operação do dia 8, apresentou também ao STF um pedido de afastamento de Moraes do inquérito que investiga os golpistas.
Aliás, o pedido não é apenas de afastamento de Moraes, mas também de anulação de todos atos até agora: “É bem de se ver, no entanto, que tanto o conteúdo da representação quanto a r. decisão revelam, de maneira indubitável, uma narrativa que coloca o Ministro Relator no papel de vítima central das supostas ações que estariam sendo objeto da investigação, destacando diversos planos de ação que visavam diretamente sua pessoa. O julgador não pode ser a um só tempo juiz e interessado”. Ainda segundo a defesa de Câmara, Moraes teria se tornado parte interessada no processo. Ora. Tem um grupo de malucos (alguns deles perigosos) por aí planejando a prisão e talvez coisa pior contra o magistrado, mas ele tem que ser legal com essa galera.
Braga Netto ofereceu cargo no governo “caso a gente continue”
As investigações da Polícia Federal continuam nos presenteando com evidências robustas quanto à organização para a tentativa de golpe. Certo de que haveria uma ruptura institucional, o ex- ministro da Defesa e da Casa Civil, general Braga Netto, não se furtou em oferecer um cargo no governo a um interlocutor, identificado como um ex-assessor de Bolsonaro, que o procurou pedindo uma vaga de emprego para uma terceira pessoa. Parecendo alheio ao fato de que faltavam apenas quatro dias para o fim do governo Bolsonaro, ele respondeu: "Cordeiro, se continuarmos, poderia enviar para a Sec. Geral. Fora isso vai ser foda". Se continuarmos? Ora ora, general.
De acordo com a PF, a resposta de Braga Netto ao interlocutor reafirma a ideia de que havia uma tentativa de golpe em curso: "Considerando que a chapa presidencial vencedora das eleições de 2022 já tinha sido diplomada e a mensagem foi enviada poucos dias antes da posse do novo Presidente da República, a expressão "se continuarmos" ratifica que os investigados ainda estavam empreendendo esforços para tentar um Golpe de Estado e acreditavam na consumação do ato, impedindo a posse do governo legitimamente eleito”, diz documento da Polícia Federal. Ou seja, se não houvesse intenção de permanecer no poder, a resposta seria diferente, não é mesmo? Pois é.
_ pesquisa e texto base: Gerson Urguim