Polícia Federal fecha o cerco à cúpula da tentativa de golpe
Deu ruim. E eu espero que piore. A Polícia Federal deflagrou na última quinta-feira (08) a operação Tempus Veriati, no âmbito da investigação da tentativa de golpe de Estado que culminou nos atos antidemocráticos de 8 janeiro. Foram cumpridos quatro mandados de prisão e 33 de busca e apreensão em endereços ligados a figuras do círculo mais próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro quando este estava no poder.
Os alvos da operação foram, além do ex-presidente, membros do alto escalão das Forças Armadas como o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, Braga Netto, o ex-diretor do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, o general Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército, o ex-comandante-geral da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, dentre outros.
O ex-comandante da Marinha, inclusive, se manifestou em mensagens aos amigos sobre a operação: "Levaram meu telefone e papéis de projetos que venho buscando atuar na iniciativa privada. Peço a todos que orem pelo Brasil e por mim. Continuamos juntos na fé, buscando sempre fazer o que é certo, em nome de Jesus", dizia o texto. Os policiai apreenderam o telefone celular e documentos na casa dele.
A lista de “notáveis” que receberam a visitinha da PF segue com o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, Tercio Arnoud Thomaz, ex-assessor de Bolsonaro e o coronel reformado do Exército, Aílton Barros. Mas para alguns, a manhã começou ainda pior. O ex-assessor especial de Bolsonaro, Filipe Martins, o do sinal de “supremacia branca” no Senado, foi preso na casa da namorada em Londrina (PR). Além dele os militares Marcelo Câmara, coronel do Exército, e o major Rafael Martins de Oliveira foram encaminhados ao sistema prisional.
Junto ao cumprimento dos mandados, também foram determinadas mais de 40 medidas cautelares, dentre elas a proibição de contato entre os investigados, apreensão de passaportes e a suspensão do exercício de cargos púbicos. Bernardo Romão Correa Neto, também coronel do Exército está nos Estados Unidos, mas já informou que se entregará às autoridades.
Os mandados foram emitidos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes e cumpridos no Distrito Federal, Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Ceará, Espírito Santo, Paraná e Goiás. A investigação apontou que todos os citados estiveram envolvidos em algum nível com a tentativa de golpe de Estado, criando e disseminando fake news que gerasse alguma anormalidade que justificasse uma intervenção militar e, desta forma, impedir a posse do presidente Lula para manter Bolsonaro no cargo. Além das prisões, buscas e apreensões, o passaporte do ex-presidente também foi apreendido. No plano também estava a prisão de Alexandre de Moraes.
Segundo a PF, a investigação apontou que os criminosos se dividiram em grupos: um dos principais era voltado exclusivamente à produção e disseminação de material que desacreditasse o sistema eleitoral, e de acordo com a própria PF "(sobre a) ...falaciosa vulnerabilidade do sistema eletrônico de votação", coisas que circularam nas redes sociais mesmo após a vitória de Lula no segundo turno das eleições.
Também de acordo com a PF, o outro grupo principal era o responsável por preparar o cenário para a abolição do Estado Democrático de Direito. E essa era a ala onde atuavam os militares de alta patente ligados às áreas tática e de operações especiais. Confirmadas as suspeitas levantadas pela investigação, o grupo poderá ser indiciado pelos crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa.
PF encontra documento que tentava legitimar o golpe
Na sede do PL em Brasília os policiais encontraram um documento que defendia e anunciava a decretação de estado de sítio e a instituição da garantia da lei e da ordem (GLO). O alfarrábio foi encontrado na sala de Bolsonaro na sede do partido (finjam surpresa). O tal documento seria um discurso que seria proferido por Bolsonaro caso o golpe tivesse dado certo. Um trecho do documento diz: “Afinal, diante de todo o exposto, e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o estado de Sítio e, como ato contínuo, decreto operação de garantia da lei e da ordem”.
Não se identificou ainda o autor do texto, porém ele se assemelha muito àquele encontrado no ano passado no celular de Mauro Cid. A PF descobriu que havia um grupo responsável pela questão jurídica para que o golpe parecesse uma manobra legítima e dentro da lei, ou das “quatro linhas da Constituição”, como Bolsonaro repetia exaustivamente. Até um padre (e não era o Padre Kelmon), consta entre os membros do setor jurídico do golpe. A história do padre é sensacional, eu investiguei ele anos atrás.
E a coisa fica melhor. O senhor Valdemar Costa Neto acabou sendo preso. A prisão não tem necessariamente a ver com a operação, mas sim pelo fato de ter sido encontrada em poder do presidente da sigla uma arma com registro em nome de terceiros e uma pepita de ouro com 39 gramas, avaliada em cerca de R$ 11 mil, que, segundo a PF, era oriunda do garimpo ilegal e não havia sido registrada. Pela posse de arma e da pepita de ouro, ele foi preso em flagrante e os crimes são inafiançáveis. Segue preso.
Bolsonaro foi encontrado na casa de Angra dos Reis
Enquanto Valdemar era encaminhado para puxar uma etapa, Bolsonaro recebia a Polícia Federal para um cafezinho em Angra dos Reis. Desta vez não houve pescaria antes da chegada dos policiais. Junto com o ex-presidente estava o ex-assessor Tercio Arnaud, também alvo da operação. Tercio é apontado como um dos principais membros do gabinete do ódio, responsável pela produção e disseminação de fake news durante o governo Bolsonaro.
A defesa de Bolsonaro orientou o ex-presidente a obedecer à ordem do ministro Alexandre de Moraes e entregar o passaporte: "Em cumprimento às decisões de hoje, o Presidente Jair Bolsonaro entregará o passaporte às autoridades competentes. Já determinou que seu auxiliar direto, que foi alvo da mesma decisão, que se encontrava em Mambucaba, retorne para sua casa em Brasília, atendendo a ordem de não manter contato com os demais investigados”, publicou no X (antigo Twitter) o advogado Fábio Wajngarten, também ex-ministro de Bolsonaro.
Minuta golpista previa prisão de Moraes, Gilmar Mendes e Rodrigo Pacheco
Segundo Mauro Cid, uma minuta golpista foi entregue em mãos a Bolsonaro pelo então assessor Filipe Martins e por Amauri Feres, que também foi alvo de buscas. Em uma reunião com os dois, o ex-presidente pediu que os nomes do ministro Gilmar Mendes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fossem retirados do documento, mantendo apenas o do ministro Alexandre de Moraes. Os nomes dos magistrados e do parlamentar constavam no documento porque havia o plano de prendê-los assim que o golpe fosse desencadeado. O trecho que previa a realização de novas eleições também foi mantido. De acordo com as investigações, os passos de Moraes eram monitorados, especialmente seus voos e sua agenda, para o caso de o golpe ser bem sucedido. Tudo indica que as informações vinham de dentro do Supremo ou de alguém próximo ao ministro.
Braga Netto é um menino muito desbocado
Já entre os militares, a atividade era convencer o máximo possível de oficiais do alto escalão para aderirem ao golpe. Muitos embarcaram, porém, alguns daqueles que ocupavam posições no topo da hierarquia não quiseram se envolver (mas também não denunciaram). Foi o caso do então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes. Em uma conversa pelo Whatsapp com outro miliar, Braga Neto chamou Freire Gomes de ‘cagão’ por não aderir à intentona golpista e incentivou que fossem produzidos memes para pressionar oficiais, os chamando de “comunistas”.
O ex-ministro da Defesa também afirmou que se a tentativa de golpe fracassasse, a culpa seria do então comandante: “Meu amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá e do Gen FREIRE GOMES. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”, disse ele a um interlocutor via Whatsapp.
Não satisfeito, ele ainda disseminou material difamando os militares que resolveram não se aliar aos golpistas. De acordo com o documento emitido por Moraes e que incluiu Braga Neto entre os alvos da operação, o general teve “forte atuação inclusive nas providências voltadas à incitação contra os membros das Forças Armadas que não estavam coadunadas aos intentos golpistas, por respeitarem a Constituição Federal”.
A investigação também apontou que o tenente coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens da Presidência da República, recebeu um pedido de R$ 100 mil para a organização de atos golpistas. (Quem pagou pelas motociatas?).
Bolsonaro se reuniu com o general Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército, em 9 de dezembro de 2022, com o intuito de discutir a execução do golpe. A informação, retirada do celular apreendido de Mauro Cid, também dava conta que o general estava disposto a aderir ao golpe, desde que Bolsonaro de fato levasse o golpe adiante e a partir daí ele garantiria as tropas especiais nas ruas. Inacreditavelmente, o general golpista integrou o Alto Comando do Exército em 2023, já no governo Lula. Theóphilo seria o homem responsável por colocar tropas na rua, os chamados Kids Pretos.
PF descobre vídeo de reunião que discutiu o golpe
Se faltava alguma coisa para prender toda essa gentalha, parece que agora não falta mais. A Polícia Federal apreendeu o vídeo de uma reunião ocorrida em 5 de julho de 2022 em que Bolsonaro tentou persuadir seus ministros a disseminarem informações falsas. Tem muita coisa lá, até mesmo Augusto Heleno falando em infiltrar agentes da Abin em movimentos políticos.
Veja na íntegra a reunião na íntegra:
Mais sobre ele: o grande vovô Heleno. O idoso mais odioso do Brasil não poderia ficar de fora da trama golpista. Conforme a investigação, ele foi um dos grandes incentivadores do golpe: "Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições. "Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas", disse ele no vídeo quando ainda respondia pelo comando do GSI, possivelmente referindo-se ao Supremo Tribunal Federal e alguns de seus ministros.
No mesmo vídeo, Bolsonaro afirma que as pesquisas eleitorais eram condizentes com a realidade e que, de fato, Lula venceria a eleição: "E a gente vê que o Datafolha continua mantendo a posição de 45% e, por vezes, falando que o Lula ganha no primeiro turno. Eu acho que ele ganha, sim. As pesquisas estão exatamente certas. De acordo com os números que estão dentro dos computadores do TSE” (Ué...). Ele ainda fez um apelo aos ministros presentes na reunião: "E eu tenho falado com os meus 23 ministros. Nós não podemos esperar chegar 23, olhar para trás e falar: o que que nós não fizemos para o Brasil chegar à situação de hoje em dia? Nós temos que nos expor. Cada um de nós. Não podemos esperar que outros façam por nós. Não podemos nos omitir. Nos calar. Nos esconder. Nos acomodar. Eu não posso fazer nada sem vocês. E vocês também patinam sem o Executivo", disse.
Nessa mesma reunião Bolsonaro também informa a seus ministros que irá convocar o encontro com os embaixadores para demonstrar a suposta fragilidade do sistema eleitoral, o que, por si só, seria suficiente para uma bela temporada na cadeia. Segundo a PF, ficou claro que Bolsonaro queria que os ministros disseminassem "todas as desinformações e notícias fraudulentas quanto à lisura do sistema de votação, com uso da estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e dissociados do interesse público."
A fala do então ministro da Justiça, Anderson Torres também chama a atenção. Na intenção de convencer os colegas ministros a aderirem à disseminação de informações falsas ele usou um termo chulo para defender seu ponto de vista: Tem muitos aqui que eu não sei nem se tem estrutura pra ouvir o que a gente tá falando aqui. Com todo o respeito a todos. Mas eu queria começar por uma frase que o presidente colocou aqui, que eu acho muito verdadeira. E o exemplo da Bolívia é o grande exemplo pra todos nós. Senhores, todos vão se f(...)er! Eu quero deixar bem claro isso", afirmou.
Errado não estava…
_ pesquisa e texto base: Gerson Urguim
A transcrição resumida dos fatos dá a dimensão exata do dia que vai ficar para a história. Finalmente aberto o processo que vai nos redimir do desastre que foi a eleição de 2018.