O escândalo da espionagem: explicado
A Polícia Federal (PF) deflagrou na manhã da última quinta-feira (25) a operação “Vigilância Aproximada”, no âmbito da investigação do uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionar adversários do ex-presidente Jair Bolsonaro. Foram cumpridos 21 mandados de busca e apreensão em Brasília, Juiz de Fora (MG), São João Del Rei (MG) e no Rio de Janeiro. O principal alvo desta operação foi o ex-diretor da Abin e atualmente deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). A operação é um dos desdobramentos da operação “Última Milha”, que investiga o uso de um software espião produzido em Israel e que teria sido usada de forma criminosa pelo governo Bolsonaro.
Em nota, a PF afirmou que: “As provas obtidas a partir das diligências executadas pela Polícia Federal à época indicam que o grupo criminoso criou uma estrutura paralela na Abin e utilizou ferramentas e serviços daquela agência de inteligência do Estado para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de proveitos pessoais e até mesmo para interferir em investigações”, diz o documento.
Os policiais estiveram no gabinete e apartamento funcional de Ramagem. Em poder do deputado foram encontrados um telefone celular e um notebook pertencente à Abin. O mais grave: a própria agência registrou que ele havia devolvido esses equipamentos, o que, descobre-se agora, não o fez. Além destes equipamentos também foram apreendidos documentos e 20 pen drives, contendo, segundo a PF, informações referentes à agência. Os computadores do gabinete de Ramagem foram apreendidos também.
A suspeita da Polícia Federal é de que Ramagem esteja envolvido no uso ilegal do software First Mile, de fabricação israelense, e de outros dois softwares. O First Mille foi adquirido para ser usado pelo Exército ainda no governo Temer e foi largamente utilizado durante o governo do inelegível. De acordo com a Polícia Federal, o software seria capaz de monitorar até 10 mil números de telefone a cada 12 meses.
Há a suspeita que não só os adversários políticos de Bolsonaro eram monitorados, mas também ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), governadores e jornalistas.
Até o momento, acredita-se que os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes tenham sido alvos do monitoramento ilegal. Além deles, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (União Brasil-RJ), a ex-deputada Joice Hasselmann e o ex-governador do Maranhão, atualmente ministro da Educação, Camilo Santana, que teve a sua casa espionada por drones, também estariam entre os alvos do esquema ilegal. Além do monitoramento, a investigação apontou uma tentativa de vincular os nomes dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes ao grupo criminoso Primeiro Comando da Capital (PCC).
🤔 Agora que sabemos que um dos principais serviços da Abin paralela do Bolsonaro era criar dossiês e expor mentiras para destruir reputações, posso imaginar de onde veio essa "notícia" publicada pela Jovem Pan no ano passado.
Na decisão que serviu de base para a operação, Moraes disse que: “O arquivo “Prévia Nini.docx”, por seu turno, retrata ação deliberada de desvirtuamento institucional da operação de inteligência em comento. Neste documento, identificou-se anotações cujo conteúdo remete à tentativa de associar Deputados Federais, bem como Exmo. Ministro Relator Alexandre de Moraes e outros parlamentares à organização criminosa PCC”, escreveu
👇 Como era o esquema 👇
Ramagem ficou conhecido nacionalmente em 2019 quando Bolsonaro tentou nomeá-lo diretor-geral da Polícia Federal, mas acabou impedido de assumir o cargo por decisão de Alexandre de Moraes que acatou uma ação proposta pelo PDT. Decidido a colocar Ramagem para trabalhar em seus esquemas, Bolsonaro o colocou na chefia da Abin. O rapaz é amiguinho íntimo dos filhos de Bolsonaro, tendo sido fotografado, inclusive, comemorando o réveillon de 2019 com Carluxo e o “primo” Léo Índio. O atual deputado foi alçado à condição de chefe da segurança de Bolsonaro após o episódio da facada, se tornando, assim, bem próximo da famiglia.
Brasil paralelo
E é claro que não demorou para os bolsonaristas saírem em defesa do caso. O presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, disse que Ramagem está sendo perseguido pela PF e pelo Supremo Tribunal Federal: “Isso está claro, a perseguição que estão fazendo no PL por causa do Bolsonaro. Isso é uma perseguição”, afirmou. Lembrando que Ramagem é o segundo deputado do PL a ser alvo de operações da Polícia Federal. Há poucos dias, o deputado Carlos Jordy (PL-RJ), também recebeu uma visita matinal dos agentes da PF, mas este por ser alvo das investigações dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Mas o problema do Brasil é o comunismo imaginário.
Briga na lama
Outro alvo da ira de Valdemar foi o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Congresso Nacional: "Esse negócio de ficar entrando nos gabinetes é uma falta de autoridade do Congresso. Rodrigo Pacheco deveria reagir e tomar providências", disse. Pacheco respondeu: "É difícil manter algum tipo de diálogo com quem faz da política um exercício único para ampliar e obter ganhos com o fundo eleitoral. E que defende publicamente impeachment de ministro do Supremo para iludir seus adeptos, mas, nos bastidores, passa pano quando trata do tema". A treta rolou pelo Twitter. Pegue a pipoca.
O ex-ministro da Justiça, Flávio Dino, também rebateu o presidente do PL: “Ninguém, absolutamente ninguém, qualquer que seja a instituição, tem apoio normativo jurídico para escolher arbitrariamente quem vai ser investigado, vai ser perquirido, vai ser analisado, vai ter a sua privacidade invadida", afirmou.
Amigos pero no mucho
Não eram apenas os adversários políticos que eram vítimas do monitoramento criminoso da Abin. Pessoas que gravitavam ao redor dos filhos de Bolsonaro também eram espionadas. Segundo a investigação, um amigo de Jair Renan, o “04”, além de ser monitorado, também tinha suas comunicações via computador espionadas. A investigação dá conta de que a ideia era jogar no colo do amigo um esquema no qual o 04 é investigado por tráfico de influência. Vale lembrar também que Bolsonaro sempre disse que queria "sua polícia" e que não esperaria ver sua família e amigos serem prejudicados de alguma forma.
As descobertas da investigação não deixam muita margem para dúvidas. Tanto que o diretor-geral da PF, Andrei Passos Rodrigues, afirmou em entrevista à GloboNews que, de fato, os adversários de Bolsonaro eram monitorados: " [A Abin] monitorava pessoas de posição contrária ao governo anterior”, disse. A declaração do diretor-geral da PF não caiu bem entre os servidores da Abin. Em nota, a União dos Profissionais da Abin declarou: “O referido software [First Mile] não possuía qualquer capacidade de invadir celulares, tampouco de obter localizações precisas. Como já noticiado, outros órgãos públicos o utilizam, e podem facilmente atestar sua forma de operação”. Ou seja: a desculpa é de que o software era… ruim.
A empresa Cognyte, que vendeu o sistema ao Brasil, foi banida do Facebook dois anos atrás justamente por atuar como “cyber mercenária”, uma empresa usada para investigações ilegais contratadas por agentes privadas e governos.
Ao menos 30 mil pessoas
Também segundo o diretor-geral da PF, cerca de 30 mil pessoas foram monitoradas criminosamente pela Abin paralela de Ramagem: "A investigação tem apurado que de fato houve durante um período o monitoramento de muitas pessoas, estima-se em torno de 30 mil pessoas, clandestinamente, ou seja, de maneira ilegal", afirmou.
Mas vocês estão achando que a Abin paralela era usada apenas com intuitos maldosos? Não, não, não! Ela também fazia boas ações, como, por exemplo, ajudar o senador Flávio Bolsonaro a escapar das investigações das acusações de rachadinha em seu gabinete. De acordo com reportagem da Revista Época de 2021, a Abin foi utilizada para defender Flávio das acusações e existe a possibilidade de a agência ter produzido provas que auxiliaram no engavetamento da denúncia. Isso agora se confirma com a investigação.
Um dos agentes que sofreu busca e apreensão foi Marcelo Bormevet. Seu nome veio à tona em 2020 quando o Intercept o apontou como sendo o responsável por usar a Abin para ajudar na defesa de Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas.
Segundo a reportagem, nesses documentos a Abin especifica a finalidade de "defender FB [Flávio Bolsonaro] no caso Alerj [Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro]"; sugere a substituição dos "postos", em referência a servidores da Receita Federal; e traça uma "manobra tripla" para tentar conseguir os documentos buscados pela defesa do filho de Bolsonaro. Ou seja, né? Mexe um pauzinho aqui, outro ali, e todo mundo fica feliz.
O senador divulgou uma nota em que nega ter sido salvo pela Abin paralela: “É mentira que a Abin tenha me favorecido de alguma forma, em qualquer situação, durante meus 42 anos de vida. Isso é um completo absurdo e mais uma tentativa de criar falsas narrativas para atacar o sobrenome Bolsonaro”.
O esquema nunca parou, nem no governo Lula
Depois de tudo isso você deve estar pensando: “Bem, pelo menos agora foi feita uma limpa na Abin e as coisas voltaram ao normal”. Então: não.
A agência parece ainda bastante “bolsonarizada”. Inclusive, há membros do governo que exigem a remoção do número 2 da Abin, Alessandro Moretti, que trabalhava muito próximo ao ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. Precisa mais que isso?
A PF acredita que, mesmo afastado da Abin desde março de 2022, quando deixou o posto para concorrer a deputado federal, Ramagem ainda recebia informações sobre os procedimentos da agência.
Fato é que a PF reclamou que a cúpula da Abin estaria dificultando o acesso dos policiais a dados importantes para a investigação. Pente fino que chama, né? Pra ontem! A Abin se limitou a dizer que é a "maior interessada em esclarecer eventuais ilícitos", por isso "vai continuar colaborando com as investigações". Segundo comunicado da Abin, já são dez meses de cooperação com a PF. Ta bom então.
Promotora do caso Marielle foi monitorada
O caso é tão escabroso que alguns pontos surpreendem, mas não chocam. Até mesmo a promotora do Ministério Público do Rio de Janeiro, Simone Sibilio, foi monitorada. Ela é uma das responsáveis pela investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes em março de 2018. O currículo da promotora foi encontrado pela Controladoria-Geral da União (CGU) formatado da mesma forma que os outros documentos emitidos pela Abin paralela. O motivo pelo qual a promotora teria sido monitorada? Não se sabe.
Na decisão que justificou a operação, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que: "(...) ficou patente a instrumentalização da Abin, para monitoramento da Promotora de Justiça do Rio de Janeiro e coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e o motorista que lhe acompanhava Anderson Gomes".
E como a cara de pau é uma prerrogativa dessa turma, Ramagem teve a desfaçatez de conceder entrevistas à GloboNews e à CNN Brasil. Entre falar um monte de coisa e não dizer nada, o amiguinho da famiglia negou ter tido acesso à senha do First Mile. Sobre os equipamentos pertencentes à Abin encontrados em endereços ligados a ele, Ramagem disse que são aparelhos antigos, que não são utilizados há muito tempo: "Poderia devolver, mas estava ali, não sabia, pensei que fosse da Polícia Federal antiga, que eu tenho direito à custódia. Eu tinha direito à custódia, à cautela. São computador antigo e telefone antigo, sem nenhuma utilização (...), sem entrar em qualquer tecnologia da Abin, sem ter contato com sistemas da Abin", disse.
Sobre o currículo da promotora estar formatado como os outros documentos da Abin paralela, Ramagem respondeu: "Quando veio a mim a questão de Marielle ali na Abin eu fiquei até 'como é possível, como que vai ter algo da Marielle, algo da investigação, utilização do sistema? Não'. Aí eu verifiquei que não tem nada a ver com o sistema, é um currículo da promotora, e parece que é uma informação que circulou aí", disse.
Ele também aproveitou as entrevistas para negar a participação em quaisquer atos ilícitos: “Nada foi feito para que houvesse o monitoramento de pessoas políticas tanto do Legislativo, quanto do Judiciário. Não na minha gestão, não sob meu comando, ou sob ordem minha, de maneira alguma”, afirmou. Ramagem ainda não prestou depoimento à Polícia Federal.
E agora?
Por onda anda general Heleno?
_ pesquisa e texto base: Gerson Urguim