👑 A cabeça costurada do rei: o destino de Bolsonaro
🧹 Distraídos faxineiros e suas máquinas que fazem zum zum zum
A multidão se aglomerava em Whitehall, Londres, numa manhã gelada de janeiro de 1649. O silêncio fúnebre foi interrompido apenas pelo som das botas marchando sobre a neve suja. Carlos I, o rei da Inglaterra, caminhava com a calma dos condenados que já aceitaram o fim. Até poucos meses atrás, ninguém imaginava que aquele homem marcharia para a morte. Enquanto a Europa se encarniçava em guerras, o rei da Inglaterra dava festas suntuosas para comemorar o único reino em paz do continente.
Carlos I subiu os degraus do cadafalso, ergueu os olhos para o céu nublado e, num último gesto de dignidade, apoiou o pescoço na tábua. O machado desceu e o sangue real jorrou diante de uma nação atônita. Pouco depois, em um gesto de simbolismo grotesco, os médicos da corte tentaram costurar sua cabeça de volta ao corpo – como se assim pudessem restaurar a autoridade arrancada pela lâmina.
Essa cena não me saiu da cabeça ao ver Jair Bolsonaro no banco dos réus na tarde também gelada de terça-feira. Por dois motivos. Primeiro: nada mais distante da brutalidade de outrora o tratamento que ele recebeu no STF. Não houve carrasco ou lâmina. Bolsonaro riu, brincou, fez piada e campanha, ladeado por dois caros advogados; saiu de lá e foi para casa, fez uma refeição e dormiu em uma cama quente. Não há, como se viu, ditadura no Brasil. Quisera o passado que as ditaduras tivessem sido todas assim.
Mais latente na minha memória, no entanto, era o segundo motivo: sentado no STF, lá estava um ex-presidente brasileiro tentando colar sua cabeça política ao tronco em frangalhos do bolsonarismo.
Como nos filmes em que o protagonista derrotado sabe seu fim, Bolsonaro ofereceu sua versão dos fatos como quem entrega suas últimas falas. Não sobrou a ele mais que fazer um libelo político, uma tentativa tardia de se reescrever como mártir. Como o coronel Kurtz em Apocalypse Now, murmurando "O horror, o horror" no fim de sua trilha de destruição, Bolsonaro pouco explicou – apenas lamentou, tergiversou e tentou olhar para os céus enquanto sentia a lâmina fria no pescoço. O tom de bravura desapareceu. Os gritos de “canalha” ficaram no passado. Sobraram insinuações vagas, tentativas de autopreservação e um silêncio constrangedor quando confrontado com as provas documentais e testemunhos em primeira pessoa que o colocam na cena do crime.
Se a presença de Alexandre de Moraes no centro do inquérito já era um incômodo para Bolsonaro, o que dizer do momento em que o ex-presidente tentou convidá-lo para ser seu vice em 2026? A proposta, em tom cômico-desesperado, teria sido uma tentativa de ironia não fosse o absurdo: Bolsonaro, acuado, tentando lamber a mão de seu maior antagonista, o “ditador”, o “canalha”. Para a base ainda mobilizada, mas cada vez mais fraca do bolsonarismo, a cena de seu heroi ajoelhando no milho foi uma pancada dura. A bajulação, neste estágio, pareceu mais confissão de fraqueza do que uma estratégia brilhante. Com sua nudez política à mostra, Jair passou de imbrochável a inseguro, de imorrível a insepulto, de incomível a indigesto. Virou o oposto do mito que criou. Um fraco sem dignidade.
Desculpas não pedidas, culpas assumidas
Em outro trecho do depoimento, Bolsonaro tentou apagar o incêndio que ele mesmo espalhou ao longo de anos. Disse que “não queria ofender” quando afirmou que ministros do STF recebiam “milhões de reais” em propinas; que “exagerou”, que não tinha provas; que “estava nervoso”. A sala ouviu em silêncio enquanto o ex-presidente oferecia desculpas mal ensaiadas, em tom de aluno levado ao gabinete da direção. Não houve enfrentamento ou palavras de ordem. Como um personagem coadjuvante em seu próprio roteiro, Bolsonaro tentou se reescrever como mal compreendido.
Não se sabe ao certo o destino do personagem que revirou os intestinos da República. Agora, mais do que nunca, sua sorte está lançada. O rei Carlos I foi enterrado em silêncio sob um piso inofensivo no Palácio de Windsor. Sua cabeça costurada nunca devolveu a ele o poder que tinha em vida. Hoje, distraídos faxineiros passam por ali com suas máquinas elétricas de limpar azulejo e fazem zum zum zum com cerdas de água e sabão. À história, restou o símbolo de quem se embriagava de vinho para celebrar o poder, poucos meses antes de ter o corpo mutilado em sacrifício pelo fim uma era da Europa.
Os últimos minutos do rei Carlos são descritos por testemunhas de sua decapitação acontecida em frente ao maior salão de banquetes do reino. Teria dito: "Sou servo de Deus em primeiro lugar!"
Bolsonaro vive dias de rei Carlos, perambula por tribunais tentando costurar sua própria cabeça com fios retóricos, elogios constrangedores e meias desculpas esfarrapadas. E se já não pode restaurar seu trono, ao menos sonha fazer o próximo rei. “Brasil acima de tudo!”, dirá do alto de algum palanque. “Deus acima de todos!”, poderá ensaiar quando as algemas abraçarem seus pulsos. “Deus em primeiro lugar”, disse o rei Carlos antes que alguém pegasse agulha e linha. As frases casam. A ver se os destinos políticos também.
ATENÇÃO
Você certamente conhece alguém como descrito neste vídeo:
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Que sacada esse texto. Disse tudo.
Analogia perfeita!