Você ficou com medo de mandar seu filho pra escola no dia 20 do mês passado? Nós também. E isso se deu pela enxurrada de boatos sobre massacres que poderiam acontecer na nossa cidade. Seriam “11 ataques”. Nada aconteceu, mas o pânico entre os pais foi real. Como explicar pras crianças? Ninguém soube muito bem o que dizer. Mentiras espalhadas pelas redes sociais.
Você sabe que as redes sociais ganham dinheiro com isso, não sabe?
É assim: quanto mais os conteúdos “viralizam” em uma rede social, mas essas empresas vendem publicidade. Google e Facebook (e outras) são imensas agências de publicidade. E não importa a qualidade do conteúdo. Se for verdade, ok. Se for mentira, tudo bem também. É um jogo de ganha-ganha: o conteúdo viraliza, chega no seu celular, e logo depois as empresas mandam uma propaganda de cerveja, de roupa ou de carro pra você.
Sabe aquela página feia do Google quando você vai buscar alguma coisa na internet?
Parece pobrinha, né? Dá até uma pena. Vontade de fazer um pix pro dono do site botar gasolina no carro. Uma tela em branco sem nada de mais. Não se engane: sabe quanto o Google faturou em 2021?
Algo em torno de 1.3 trilhão de reais.
Sim, trilhão, com T.
Isso é tipo o PIB de Portugal, da Finlândia, da Nova Zelândia. Você escolhe.
O Google poderia ser um país da Europa.
E de fato, é. Na verdade, as redes sociais são muitos países, elas dominam a política local em todos os cantos e fazem valer suas vontades. É raro que tenham derrotas significativas. Estamos falando das empresas mais poderosas do capitalismo mundial. A página simplinha é só um disfarce. O mesmo vale para o Facebook.
Hoje teríamos a votação de uma Projeto de Lei no Brasil que poderia mudar um pouco as coisas.
A ideia central: trazer as mega plataformas de internet – ou redes sociais, como chamamos – para serem responsabilizadas sobre conteúdos criminosos que as pessoas postam nelas. Isso pegaria todas as grandes redes no Brasil, sobretudo Google, Facebook, Instagram, Twitter e Tik Tok, mas não só elas.
Em resumo: a ideia da lei é tentar forçar as plataformas a cuidarem do que é postado por lá. Incitação ao suicídio ou à mutilação? Incitação a crimes? Racismo? Xenofobia? Organização de ataques em escolas? Tudo isso, hoje, corre solto nas redes, e elas não são responsáveis por nada. Já rolou até de pessoas serem linchadas e mortas na rua por causa de boatos postados nas redes sociais. Nada, repito: NADA aconteceu com elas.
Com a nova lei aprovada – se for aprovada – as redes podem ser levadas a juízo caso se neguem – como muitas vezes fazem – a deletar esses conteúdos.
A lei (PL 2630) seria votada hoje. Arthur Lira, presidente da Câmara, decidiu – a pedido de Orlando Silva, relator do projeto – que o projeto saísse de pauta. Orlando Silva recebeu mais de 90 (sim, NOVENTA) emendas. Virou um caos. Fica tudo como está, uma vitória enorme das redes sociais e deu seu poderoso lobby econômico.
O projeto passou com boa votação no que se chama de Regime de Urgência na semana passada. Seria votado, então, justamente hoje. As plataformas (Google e Facebook na ponta) foram a campo, fizeram centenas de reuniões secretas com artistas, jornalistas, influenciadores, comunicadores; espalharam mentiras; despejaram seu poder financeiro e barraram o projeto.
Agora, com esse tanto de emendas nas mãos de Orlando Silva, será um legítimo Deus nos acuda. É impossível saber qual projeto o Brasil terá depois de hoje (melhor ou pior). Na verdade, nem sabemos se o Brasil terá – como têm Alemanha, Austrália, França… – um projeto que responsabilize as plataformas. Orlando Silva vai precisar de muita energia, inteligência e habilidade – e não depende só dele.
O que pode acontecer? Se o PL demorar a voltar à pauta, o Supremo vai tomando esse assunto pra si. Depois, as mesmas pessoas que hoje reclamam de “censura” amanhã reclamarão da "ditadura do Supremo". Para as redes sociais, todo o jogo valeu a pena.
Se tem alguém comemorando e gritando na sala, hoje, são Google e Facebook. Criaram o caos, sujaram o debate público, se aliaram à extrema direita, cooptaram parte da esquerda (inclusive com dinheiro) causando diversionismo pra dividir e chutaram o PL pra sabe-se lá quando. Nesse meio do caminho, muita gente se vendeu.
As plataformas são profissionais, fazem isso no mundo todo, é o maior lobby do planeta, talvez o maior da história. Estão rindo da nossa cara.
Nenhum ponto foi dado sem nó. A democracia brasileira ficou a reboque dos conglomerados que sempre dão uma banana para os países enquanto olham apenas para suas brilhantes tabelas de Excel. Há quem se beneficie.