O Inquérito da Polícia Civil aberto pra me investigar depois que denunciei um grupo de matadores na própria Polícia Civil do Rio de Janeiro ficou aberto por dois anos e oito meses. Finalmente foi encerrado no começo deste ano.
Ficam aqui algumas reflexões importantes, leiam até o final
Tem quem ache que "inquéritos que nunca acabam" são exclusividade do STF. Golpistas, interessados e até gente boa embarcaram nessa. Acham que estamos perto de uma "ditadura" porque convenientemente se agarram às decisões de Alexandre de Moares e apenas a elas. E tem gente aí que nunca, jamais, defendeu direito de defesa ou devido processo legal. Gente que acha até hoje normalíssimo o que foi feito na Lava Jato mas que agora paga de espantado.
Gente que descobriu a "liberdade de expressão" ontem e que a usa como arma retórica para interesses pessoais ou de grupo. Vamos colocar alguma complexidade nessa questão, possivelmente pra desagradar muita gente de tudo o que é lado, aliás.
Inquéritos precisam terminar
Manter um inquérito aberto contra mim por tanto tempo é um ato intimidatório. Isso vale pra todo e qualquer inquérito que se estenda por tempo abusivo. Infelizmente nossa legislação não fixa prazos (ou eles são fictícios), um erro. Resta o bom senso, que todo mundo acha que tem. O STF diz que seu inquérito ainda está em andamento, ao contrário do meu, que estava parado, apenas como arma de pressão.
É preciso, no entanto, concluir a peça no STF, denunciar quem precisa ser denunciado, e retirar as suspeitas contra inocentes (pois haverá inocentes, não?). É isso o que sempre defendi e continuarei defendendo. Ao contrário de muitos aventureiros da política, eu não descobri o direito de defesa e o devido processo legal ontem. Querem um exemplo?
O caso Monark
Pessoas devem ser investigadas com bases sólidas. Investigar alguém é um ato de responsabilidade e que traz consequência nefastas para a pessoa alvo da investigação. Vejam o caso do influenciador Monark.
Vejam o print abaixo (janeiro de 2023).
Já naquele mês eu questionei por que Monark estava sendo investigado no inquérito sobre a tentativa de golpe de estado. Nenhuma resposta me convenceu. Comentei o caso em diversos programas. Monark, na minha avaliação, não deveria ser investigado nesse caso. Ponto. Importa pouco o que acho sobre a pessoa dele. As suspeitas são fragilíssimas.
Liberdade de imprensa?
Jornalistas precisam de proteção em uma democracia. Onde estão os defensores da liberdade de expressão e de imprensa para prestar solidariedade à Schirlei Alves, condenada a pagar R$ 400 mil em multas e a um ano de prisão por denunciar um juiz que – vejam só – foi punido pelo Conselho Nacional de Justiça depois da reportagem da jornalista?
Pelo contrário, um dos jornalistas do Twitter Files Brasil (David Ágape) publicou no Twitter um post em que dizia que Schirlei estava "chorando dizendo que foi censura" e comemorando a decisão de uma juíza de editar a reportagem do Intercept sem antes ouvir os editores do site. Bem se vê o compromisso do colega escolhido por Musk para empunhar a bandeira pela liberdade de expressão no país. Julguem vocês.
Alguma palavra sobre isso?
Procurem o nome de Schirlei nas contas que se dizem defensoras da liberdade de expressão e vejam se a encontram por lá. Há outros casos de jornalistas verdadeiramente censurados, inúmeros. Garanto: nenhum deles estava pedindo golpe de estado, o que é ilegal, e nem instando pessoas a matar juízes.
O caso Allan dos Santos
Vejam os prints do Terça Livre, site do Allan dos Santos, ao reportar meu caso sobre a Polícia Civil.
O site disse que eu teria que provar o que estava acusando (quebrar meu sigilo de fonte?), me chamou de "militante" e convidou um deputado do Rio de Janeiro para opinar. Disse o deputado Márcio Gualberto (PSL-RJ) na matéria do Terça Livre: "ser jornalista não é passaporte para cometer crimes de injúria”.
Criou corvos
Allan dos Santos hoje é o mártir da liberdade de expressão. Tem ordem de prisão contra ele. Vive nos EUA. O deputado Gualberto queria até mesmo condecorá-lo na Assembleia do Rio. Quando se tratou do meu caso, no auge do governo Bolsonaro, cheio de apoio e autoconfiança, Allan não tinha problemas em tratar jornalistas como criminosos enquadrados pela polícia. Está estampado o que Allan fez: criminalizou meu jornalismo, apoiando a ação policial. Reclama do que hoje? Eu poderia dizer que Allan alimentou o monstro que o persegue. E o deputado? Hoje, claro, festeja Elon Musk dizendo que o empresário "luta pela liberdade", chama Alexandre de Moraes de “besta fera” e fala em “presos políticos”.
Mas e o Xandão?
Há erros e abusos no STF como em toda a Justiça brasileira. O STF deveria terminar seus inquéritos, deveria permitir sustentação oral em agravo. É absurdo que investigados saibam de coisas pela imprensa sem antes ter acesso aos autos (falei enfaticamente sobre isso no ICL). É absurdo que não possam falar com seus advogados.
Quem vem denunciando isso? Eu mesmo, inúmeras vezes, além de Pedro Serrano, Alberto Toron, Marco Aurélio de Carvalho, Dora Cavalcanti (em seu tão combatido pela extrema direita Instituto de Defesa do Direito de Defesa) e tantos outros. Dizer que "a esquerda" se cala em relação a isso não se sustenta com 2 minutos de Google.
Encarar, nunca esconder
Tudo isso são problemas reias, e ignorá-los só joga a pauta do devido processo legal no colo da direita. Estejam atentos ao que aconteceu com a pauta do "combate à corrupção". O filme está se repetindo. Na onda do "agora não é hora de falar" acaba-se nunca falando, e quem fala é só quem deseja usar uma pauta legítima como instrumento de projeto de poder – ou pra fazer um bom dinheiro. Tem os dois casos nessa onda Musk no Brasil.
Todo campo político que não sirva de gasolina para golpistas precisa apontar os problemas do sistema e colocar a conversa em um eixo republicano e de transparência. Se não o fizer, corre o risco de ver vingar na praça a narrativa falsa e hipócrita (só ver como agiam Allan dos Santos e o deputado no meu caso) de que vivemos uma "ditadura do Judiciário". Pra essa versão colar não precisa muito, só o silêncio.